5/17/2015

MEIA PATACA - Literatura de Cataguases 1948-49 - FRANCISCO MARCELO CABRAL


FRANCISCO MARCELO CABRAL - 1930 - 2014

Em 2001, organizei uma página no jornal Cataguases em homenagem aos 70 anos de Francisco M.Cabral. Reproduzo aqui.

Fazemos hoje um pequeno recorte da pessoa e da obra de Francisco Marcelo Cabral, neste Caderno. O poeta não cabe em duas páginas de jornal, mas, apertando aqui e ali, foi o que pudemos oferecer no momento.

Talvez só uma mínima parte da juventude cataguasense o conheça. Uma pena. Ele mora no Rio há muitos anos, mas sempre está aqui conosco. Eis o nosso jovem poeta aos 70 anos com tanta poesia que pode reparti-la a todos que se acercam dele. Não quis ser famoso, não está na mídia literária, mas nunca deixou de brilhar. Um paradoxo, uma brincadeira ou uma peça que vem nos pregando todo esse tempo.

Não posso esquecer quando, pela primeira vez, vi - estupefato - Marcelo Cabral discorrer sobre literatura. Garanto que não foi só uma impressão de adolescente, porque ela vem se confirmando até hoje quando o encontro. Ele poderia ser com facilidade um famoso professor de literatura: não conheço nenhum outro que o supere: pela verve, pela ironia, na avalanche das palavras, na propriedade ao discorrer e analisar, na capacidade crítica e na auto-crítica. Talvez auto-crítica demais, a ponto de prejudicar sua expansão.

Minha geração – mais do que as demais, talvez pela nossa insistência ou cara-de-pau mesmo – aproveitou muito mais que as outras os seus ensinamentos, sua presença, ora na intermediação de contatos com alguns “verdes” (com quem tivemos muitos encontros), ora ao nos apresentar a escritores conhecidos, não podendo me esquecer de suas provocações que nos afiavam as garras para novas propostas e próximos embates.
Até hoje não prescindimos de sua palavra.

É esse, Chiquinho, o preço que se paga (lá vem o velho Exupéry) por nos haver cativado e, mais do que isso, por tornar nosso caminho tão mais aplainado, rápido e até – quem sabe? – conseqüente.

Cataguases, 14 de fevereiro de 2001
Joaquim Branco


Em foto de Victor Giudice.






ESTE MOMENTO TEM NOME
Francisco Marcelo Cabral

Este momento tem nome: êxtase.
A luz dura do sol no teu olho cerrado
o zumbido de insetos delicados,
o ácido sal da vida,
o pulso e o ritmo ofegante do ar que te penetra.

Submerges nesta fresta do tempo
e sentes o universo tocando o teu ser,
tão íntimo que o podes separar em fruto e semente
tão sem limites em suas onze membranas
que nele tudo cabe inumeravelmente
tão diversamente o mesmo que não te contém e contém.

Não estás morrendo, sossega.
Apenas navegas em estilhaços
Como a estrela que explode na constelação do Centauro.


Lina, Cabral e Joaquim.


Em foto de Adriana Monteiro.






INEXÍLIO (fragmentos) - Francisco M.Cabral

NADA, Cataguases, em teu rio pobre
Pomba sem vida, mudo e sujo
rebanho cabisbaixo, a correr apertado
na calha entre os morros
onde morre o teu casario
e brincam crianças mal nutridas
e mulheres estéreis
tentam o inútil orgasmo

nada, Cataguases, nem teus morros feridos,
prestes a desabar sob a chuva alcalina
e sulfurosa

[.....]
Nada, nem Francisco Inácio
Peixoto se acostumando a perder
Amores, amizades e ambições,
Nem a morte de Rosário, ai de nós, ai de ti,
Merda de morte igual a todas inesperada
Colhedora do tigre e do joi

nada, nem a completa
destruição da paisagem da minha infância

[...]
nada, Cataguases, nem a tua indiferença ou desprezo
pelos teus poetas e teus loucos, únicos
que te conferem a glória de não seres
como outra qualquer um simples mercado
mas uma cidade, oh sim, uma cidade

[...]
nada
nem os que foram assassinados

nem os mortos por desastre
ou imperícia ou que se mataram
e cuja lição final, sempre a mesma,
ainda agora me cobre de cinzas e humildade

[...]
NADA ME FAZ
Lembrar um porto de diamantes
(que fossem topázios, ametistas,
crisólitas, opalas, turmalinas!)
nem mesmo saber – só agora – que no cascalho
do leito do Meia Pataca
ainda repousa o ouro não minerado

[...]
TE AMAR
berço, seio, colo, braço, calor e umidade
é um ato simples
como nadar, anulando-se, na corrente limpa do rio

[...]
AMAR MENOS
é morrer
como o rio sendo freado pela areia
que se acumula na linha frouxa das margens
onde a água é mais lenta e os peixes envelhecem;
como a locomotiva perdendo vapor,
[...]
como a festa de aniversário se acabando – farelos
sobre a toalha manchada de groselha,
a camisa salpicada de gelatina,
o nariz sujo de Grace;
como tirar os óculos, desligar o telefone,
guardar a máquina de escrever e sair de casa
para nada.

MENOS
que nada
é o pó do poema
que aqui sobrenada
sobre tudo
(que nada?)
Sobretudo sobre nada
Que nada é o que resta
Do rosto e da festa
Que nada é o que sobra
Do sabre e da sombra
Da cãibra e da cobra
Que nada é o que fica
Da faca e da treva
Da trave e da chama

Nada me faz te amar menos



O menino Chiquinho Cabral.


O jovem poeta Marcelo Cabral.


O poeta em Londres.


Cabral em um encontro com o grupo Totem.


Antiga Padaria Cabral tendo ao lado a residência da família de Pedro e Jandira Cabral, pais de Francisco M.Cabral.
(foto editada por Natália Tinoco para o Arquivo Joaquim Branco).









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