5/15/2016

AS VERTENTES DO CAOS




AS VERTENTES DO CAOS
Os 7 céus do azul de cobalto

Joaquim Branco

Quando seguimos Joseph K, na sua busca por justiça, nos labirintos e corredores de um estranho tribunal, acreditamos que ele vai alcançá-la. É o que nos fazem intuir o protagonista da estória e o autor Franz Kafka, mesmo que seja por uma pequena fresta.
As inquietações de Dostoievski não levam ao subsolo onde pudesse sepultar seus personagens, mas à linguagem – sombria, negativa, pungente.
Estive pensando nisso quando cerrei as páginas numa releitura de "Céu azul de cobalto", minicontos de P. J. Ribeiro.
Há algo diferente neste livro, comparativamente a outros autores do gênero, que escapa de suas narrativas curtas e curtíssimas mas pensadas, naturais mas forjadas fora de um Sétimo Céu de nuvens brancas e fundo azul. Aí é que entra o cobalto – a cor e o elemento – que produz a visão cinzenta e triste do componente das bombas destruidoras da vida.
A partir daí, resolvi dividir a temática do livro no que chamarei aqui de "as vertentes do caos" ou "os 7 céus do azul de cobalto", que criam uma escala descendente que se vai aprofundando até o ponto crítico de onde não se pode mais voltar.
Já no 1º Céu, a personagem Ana Sousa começa por uma constatação amarga: "Os sonhos não foram feitos pra mim" (p. 24). É a mais suave conclusão contida nos contos.
Quando o protagonista de "Me diga logo, cara" insiste para que o outro revele um segredo, a ameaça se faz:
"(...) a noite surge e, quando isso acontece, ela se torna vingativa, cruel e acaba destilando em todos seu veneno, a começar pelas pessoas que guardam segredos tolos." (p. 74)
Esse é o 2º Céu.
Em "Hora do almoço" – que se enquadra no 3º Céu – o aposentado Lauro "tinha a sensação de sua vida ser um tremendo equívoco", o que se complementa quando ocorre a troca de sua vivência de maneira antropomórfica ao se personificar a figura dos medicamentos no lugar dos indefectíveis chinelos dos doentes: "Remédios se arrastam." (p. 76)
A atmosfera caótica ribeiriana cresce nas pequenas peças encontradas aqui e ali, como em "Asilo". Ao sentir no peito "um desespero de arrebentar coração" (p. 27), Dodô – já aqui no 4º Céu – afirma: "A desgraça do ser humano é invisível a olho nu" (p. 27), como se fosse um micróbio.
No 5º Céu, o tema da morte no término do conto é um prêmio evocativo dos avisos que ostentam certas lojas para evitar o roubo por seus próprios clientes:
"Só peço que, ao ver o meu cadáver atravessar a ponte, com destino ao fundo buraco do cemitério, sorria.
Pois, certamente você estará sendo filmada." (p. 33)
A vida e a história da vida são comparadas em "Elevação sublime", mas só para introduzir nova atmosfera do caos, numa explicação a Castro, e compõe o 6º Céu:
(...) o homem em si nada vale, ele é apenas um esqueleto recheado de carne, terra e bicho, a história é que conta (...)
A última parte – o 7º Céu – se revela em "Ansiedade". Aqui o narrador leva ao ápice a sensação caótica ao narrar o momento final de um enterrado vivo. A transcrição é integral, pois trata-se de um microconto:
"Um cheiro forte de terra entupiu-lhe as narinas.
Inerte e debilitado pelo frio, não teve forças pra encarar de perto o peso da morte.
A essas alturas, insuportável." (p. 25)
A rigor, como nos círculos infernais de Dante, os personagens dos contos de P.J.Ribeiro vão descendo a rampa do caos de cada dia, num sacrifício e numa conformação sem limites a tal ponto que, não apontando para nenhuma luz, só veem – no máximo – algo parecido com a linguagem em que estão plasmados.


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