5/20/2016

SINOS DA AGONIA - resenha





No capítulo sobre "O narrador", da coletânea Magia e técnica, arte e política, Walter Benjamin divide os antigos contadores de histórias em dois grupos: o do camponês sedentário e o do marinheiro comerciante, que, preservaram, com o correr dos tempos, algumas de suas marcas.
Os primeiros – os camponeses – se distinguiam pela acumulação do saber, e os marinheiros, pela busca de novidades em terras distantes, pois "quem viaja tem muito que contar", segundo o dito popular. Ambos são igualmente importantes e suas características, encontradas na vida e na personalidade dos que se dedicaram posteriormente à arte de narrar.
Machado de Assis, chamado por Luciano Trigo de "o viajante imóvel", por ter apenas uma vez saído do Rio de Janeiro (para ir a Friburgo), pertence à categoria dos sedentários, e nem por isso realizou "viagens" menos interessantes.
Ernest Hemingway (1899-1961) se enquadra muito mais no segundo grupo, não fosse a sua vida toda pontuada por viagens à procura de aventuras – participou da I Guerra Mundial como voluntário, e da II Guerra e da Guerra Civil na Espanha como repórter – das quais por certo colocou muitas de suas impressões em sua ficção.
Seu romance Por quem os sinos dobram (1940), ainda que seja um libelo contra a violência, foi ambientado na Guerra Civil Espanhola, ocorrida nos anos de 1930. Hemingway viajou como jornalista à Espanha para cobrir as operações de guerra. Protagonizado por Gary Cooper e Ingrid Bergman, o filme (1943), com o mesmo título, – e em que Katina Paxinou, no papel da revolucionária Pilar, ganhou o Oscar como melhor intérprete –, é hoje um clássico inesquecível do cinema dos anos 40.
O personagem principal do livro, o norte-americano Robert Jordan, tinha a difícil missão de dinamitar uma estratégica ponte, para facilitar o avanço das forças democráticas. Esse é o objetivo do protagonista e também a trama que envolve as ações descritas por Hemingway.
Toda a movimentação da história está vinculada à luta entre franquistas e republicanos, e é no espaço destes últimos que se dá a maioria das cenas, muitas delas pungentes e doloridas, mas sempre marcadas por reflexões, como neste diálogo entre Anselmo e Jordan:

"(...) Mas em matar um homem, que é homem como a gente, não há nada de bom para se relembrar." (p. 66)

Ou em cenas como a vivida entre Pablo, líder dos guerrilheiros, e sua mulher Maria:

"E tu – disse Pablo, num tom amargo –, com esta cabeça de boi e este coração de puta. Pensas que vai haver depois desta ponte? Tens ideia do que vai acontecer? (p. 83)
"(...) Choravas de uma maneira feia, sufocada, como se tivesse um animal dentro de si, sacudindo-o". (p. 133)

O grupo de combatentes, que comanda tanto as ações no texto – Pablo, Pilar e seus companheiros –, também passa por momentos líricos e de desespero, onde parecem entregues à própria sorte, como nestes entrecortados diálogos entre Pilar e Robert Jordan:

"(...) O outro domingo está muito longe. Se virmos a quarta-feira, já estaremos muito bem. Mas não gosto de ouvi-la falando assim." (p. 132)
"A tristeza irá se dissipar assim que o sol raiar. Ela é como uma neblina." (p. 132)

E referindo-se aos aviões inimigos, novamente Pilar e Jordan:

(...) A visão daquelas máquinas faz a gente refletir – disse a mulher. – Não somos nada contra aquelas máquinas. – Mesmo assim, podemos abatê-las." (p. 132)

Na passagem entre Fernando, ferido, e Anselmo, quase ao final do livro:

"(...) Mas agora tens o que pediste na noite passada cruzando as colinas. Estás no combate e não tens problema. Se eu morrer nesta manhã, está tudo bem." (p. 587)

A agonia de Robert Jordan, ferido mortalmente e ainda à espera do inimigo, se dá nas duas últimas páginas, em uma bela descrição, que se concentra neste fragmento:

"(...) E deitou-se bem quieto, tentando agüentar firme. Sentiu como se estivesse escorregando para dentro do sono, como a neve escorregando da montanha, e disse, agora brandamente, para si mesmo: "Deixe-me resistir até que eles venham." (p. 623)

Vale transcrever, para concluir, o pensamento do poeta John Donne, de onde Hemingway tirou o título do romance e do qual extraímos a parte fundamental:

“Nenhum homem é uma ilha, um ser inteiro em si mesmo; todo homem é uma partícula do Continente, uma parte da terra. [...] Eu pertenço à Humanidade. Portanto, nunca procures saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti."




O grande romancista norte-americano Ernest Hemingway.

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