11/06/2016

A AGRESSÃO FICCIONAL


Joaquim Branco





Em 1943, a Editora José Olympio publicou o romance "O Agressor", de Rosário Fusco, com sugestiva capa de Santa Rosa.

Nesses 33 anos, entre a 1ª edição e a 2ª (de 1976), pela Francisco Alves, Rosário Fusco escreveu outros livros, tornou-se um viramundo. Esteve na França várias vezes, e mais tarde se aposentou como procurador do antigo Estado da Guanabara, não sem antes rechear sua biografia com mil peripécias, para pousar enfim em Cataguases, onde continuou a escrever romances, alguns ainda inéditos.

"O Agressor" foi também publicado na Itália pela Mondadori, em 1968. No ano 2000, seu filho François reeditou a obra pela editora Bluhm.
E seu autor, de temperamento e atividade intensos, permanece até hoje mais como um nome para os outros escritores que o admiravam e admiram sua obra.
"Nunca consegui editar um livro em moldes comerciais", disse ele a mim certa vez, e, consequentemente, também não teve uma resposta popular, permanecendo infelizmente quase desconhecido tanto do público como um todo, como do meio universitário.

Recentemente, o contista Adrino Aragão chamou atenção para as características de "O Agressor" como um romance de esfera kafkiana, alinhando seu autor entre os precursores do realismo fantástico não só no Brasil, mas também internacionalmente, já que as primeiras obras desse movimento são da mesma época.

Tal como em romances classificados no gênero de "estranhamento", David – a figura central de "O Agressor" – é um homem comum, no caso um guarda-livros que trabalha no escritório de uma chapelaria numa grande cidade. Sua existência rotineira, de repente, começa a ser modificada por acontecimentos comuns que, no entanto, o atingem de maneira única e estranha. Só a ele. Como se as coisas, ao se aproximar dele, perdessem o contorno do normal, apresentando sempre consequências negativas e agigantadas.
Já no 1º capítulo, na apresentação de David, pode-se ler: “Nunca recebera uma visita, nem mesmo quando esteve acamado por uns dias, há tempos.” (p. 12) E mais adiante: “Voltando à noite, raramente via os pensionistas, que em geral se recolhiam cedo.” (p. 12)

David chega a confessar, diante das incríveis pressões que vinha sofrendo: “(...) eu lhes juro preliminarmente que não tenho a menor culpa do que está ocorrendo. Não sei de que lado está o direito (...)” (p. 20)
No capítulo final, antes do surpreendente desfecho, mais uma vez o personagem volta à carga, na sua defesa: “– Mas ninguém sabe de nada... Eu não fiz nada...” (p.171)

No capítulo 5 - "Entendimento com Nicolau" - o narrador acentua a atmosfera de mistério e repentinamente registra, como a prenunciar certas investigações que, em tempos de regimes autoritários, surgem: "Nada de especial podia dar corpo às suspeitas de David. Porém, como a falta de indícios também podia ser considerada indício [grifo do autor], suas atividades na casa passaram a ser de pura reserva. [...] Agora, de vez em quando recebia telefonemas." (p. 51)

Entre agredidos e agressores, vale re'viver o universo fusqueano, que precisa ser mais bem conhecido do nosso público, ávido de livros fabulosos como esse "O Agressor". Bem Rosário Fusco.

Bibliografia: FUSCO, Rosário. O agressor. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1976.

Nota: entre as 3 edições de "O Agressor", optei aqui por reproduzir a capa da 1ª edição, desenhada pelo grande pintor Santa Rosa, que retrata muito bem o universo do romance e que me parece de melhor qualidade.

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